Durante a sua primeira audiência pública no Senado na condição de ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara recebeu nesta quarta-feira (10) forte apoio dos senadores presentes na Comissão de Direitos Humanos (CDH). Eles se colocaram a disposição para buscar recursos e priorizar pautas que agilizem a execução de uma política pública de Estado que garanta a proteção e o respeito aos povos originários. Guajajara apresentou aos parlamentares o plano de ação da pasta para os próximos anos.
O convite à ministra partiu do próprio presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS). Junto com os demais senadores, ele celebrou a indicação de Guajajara para assumir o posto de primeira gestora do ministério, recém-criado pelo atual governo. Para Paim, a decisão foi acertada e necessária já que, na sua visão, o Brasil registra atualmente “um genocídio dos povos originários”.
— Conforme dados da Pastoral da Terra, no estado do Maranhão, só como exemplo, os conflitos e as invasões têm os povos indígenas como as principais vítimas. No ano passado, o estado teve o maior número de conflitos dentro da Amazônia Legal: foram 178 registros. Seguidos pelo Pará, com 175; Amazonas, 152; Mato Grosso, 147; sendo que as mortes chegaram a sete—, registrou Paim.
Na avaliação do presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), senador Flávio Arns (PSB-PR) e da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), o novo ministério pode enfrentar dificuldades em razão da falta de previsão orçamentária. Nesse sentido, Arns enfatizou a importância da articulação da pasta junto ao Congresso Nacional. Sugeriu que a ministra encaminhe para as comissões diretamente ligadas a sua área, uma pauta legislativa de interesse do ministério.
— Eu gostaria muito de receber, da parte do ministério, as prioridades na educação dos povos indígenas, na cultura dos povos indígenas e no esporte dos povos indígenas, para que isso fizesse parte das prioridades da comissão para este ano e para o próximo. Porque aqui a gente está lidando com legislação, com mudanças. Então a pauta do ministério também será a nossa pauta — comprometeu-se.
Damares alertou sobre os processos burocráticos no sistema público.
— Eu sei que não deve estar sendo fácil para vocês um ministério novo, usando a estrutura que vem da Funai, que já era uma instituição com muitas dificuldades. Como executar, no primeiro ano, todo o planejamento que a senhora traz […]? Eu sei que agora na ação Ianomâmi, a gente tem um aporte de R$ 140 milhões para o ministério, mas isso não é suficiente. A senhora sabe disso. Eu já estive sentada aí, eu já estive do outro lado como ministra [titular pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro], e quando a gente chega para trabalhar tem tanta vontade. E a senhora vai descobrir o que eu descobri: a máquina é lenta, o estado é burocrático, é tudo muito complexo e essa comissão pode lhe ajudar muito para que a política[ pública] seja realmente desenvolvida pelo seu ministério.
Ianomâmi
De acordo com a ministra, nesse primeiro momento, a pasta tem dedicado grande parte das ações e recursos no enfrentamento à crise humanitária do povo ianomâmi. Para ela, a situação encontrada na região é resultado da ausência e da negligência do Estado.
Entre os problemas encontrados na região, ela citou: uso abusivo de álcool e outras drogas; formas de violência associadas ao consumo dessas drogas e bebidas; tráfico de armas e acirramento dos conflitos sociais; violência sexual e aliciamento de meninas e mulheres da etnia ianomâmi; insegurança alimentar; precarização da convivência familiar e comunitária; além da identificação de trabalho em condições análogas à escravidão.
Guajajara esclareceu que a ação integrada envolvendo oito ministérios gerou ações efetivas e urgentes, como a instalação do Centro de Operação de Emergência em Saúde Pública, a instalação do Comitê Nacional para o enfrentamento a desassistência sanitária da população no território como a articulação de uma estrutura física e logística para oferecer essa atenção.
Entre os resultados das ações, ela elencou: 43 prisões já realizadas; R$ 138 milhões bloqueados; 40 mandatos de busca e apreensão; 70 balsas inutilizadas, 18 aviões e 12 helicópteros, 12 embarcações inutilizadas, 169 motores, 33 geradores de energia, 13.735 quilos de cassiterita, 327 acampamentos desmobilizados e dois portos de apoio logístico desmobilizados. No entanto, ela reconheceu que o desafio na região é muito maior e pediu o compromisso de todos os poderes e entes federados para que os ianomâmis tenham seus direitos constitucionais respeitados.
— Precisaremos do envolvimento e do compromisso conjunto dos entes federativos: União, estados e municípios, numa perspectiva de corresponsabilidade. Precisamos assumir nossos respectivos papéis nessa grande tarefa de zelar pelos povos indígenas. Para além de procurarmos culpados, precisamos sentar, dialogar, ceder, pactuar e, acima de tudo, assumirmos o compromisso sincero pela proteção da vida”.
Garimpeiros
A senadora Damares apresentou a preocupação com relação a desintrusão de garimpeiros no território Ianomâmi. Segundo ela, até o momento 70% dos garimpeiros já foram retirados da região. Ela quis saber quais serão os próximos passos do Executivo para a completa desocupação de garimpeiros da região sem que, para isso, novos conflitos e mortes ocorram.
De acordo com a ministra, a operação junto aos garimpeiros na terra Ianomâmi está sendo regida pelo Decreto 11.510, que constituiu o Comitê Interministerial de Coordenação, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão das Terras Indígenas. Guajajara informou que essa é uma ação imediata de médio prazo. Mas, a longo prazo, está sendo planejada a fixação de bases permanentes de fiscalização, para evitar o retorno do garimpo ilegal a essas áreas.
— A gente conseguiu instituir um comando único das operações que inclui o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça com a presença da Secretaria Nacional da Segurança Pública. Nós temos esse grupo de comando único que está lá em Boa Vista para dá seguimento a essas ações — esclareceu a ministra.
Ela informou também que as operações estão sendo estendidas para outros territórios como o Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna, em Rondônia, além do planejamento já previsto para seguir com as medidas de desintrusão nas terras Kaiapó, Mundurucu e Arariboia.
Demarcação de terras
A ministra também informou que a pasta está trabalhando no destravamento dos processos de demarcação de terras indígenas. Atualmente, segundo ela, a pasta está trabalhando para homologar 14 processos de terras. No entanto, para dar sequência a essa política de demarcação, bem como ampliar a capacidade técnica e a estrutura física para execução das políticas públicas de proteção aos povos originários, as senadoras Teresa Leitão (PT-PE) e Eliziane Gama (PSD-MA) defenderam a contratação de profissionais através da valorização da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
— Restam apenas 13 funcionários efetivos em alguns postos nas aldeias, depois que a Funai foi desaparelhada. Mas a gente carece mesmo da implementação dessa política que foi tão bem relatada na sua exposição — ressaltou a senadora Teresa ao citar como exemplo Pernambuco, pedindo a reabertura da Superintendência da Funai no estado.
Guajajara anunciou que será realizado concurso para suprir a Funai de um corpo técnico capacitado e pediu apoio dos parlamentares na aprovação da Medida Provisória (MP) 1.154/2023 que reestrutura a organização administrativa no Executivo. Ela alertou para a possibilidades de mudança no texto, com a tentativa de retirar a Funai do seu ministério e devolver o principal órgão indigenista ao Ministério da Justiça.
— Hoje a Funai não está mais vinculada ao Ministério da Justiça. Com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a Funai veio para o ministério, e não há um lugar mais justo, mais adequado, para que a Funai esteja. Só que, na Câmara, tem sete pedidos de emendas que retornam a atribuição de demarcação de terras indígenas e até mesmo a Funai para o Ministério da Justiça […]”.
Transversalidade
A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) manifestou preocupação em relação a aplicação de políticas para a inclusão e a acessibilidade de crianças indígenas nas escolas públicas.
— A educação especial é uma modalidade totalmente transversal em todos os níveis de ensino e o respeito às diferenças culturas e às línguas sempre esteve no centro de nossas preocupações—ressaltou.
Já a senadora Augusta Brito (PT-CE) destacou a importância de se realizar concursos públicos específicos para a contratação de professores indígenas que, na sua visão, vão colaborar no âmbito do ambiente escolar e no respeito à diversidade dos povos indígenas.
— Eu fui convencida por professores indígenas sobre a importância de ter um concurso específico para atender a escola indígena, com professores também indígenas—informou.
Guajajara respondeu que o assunto vem sendo tratado com o Ministério da Educação através da Secretaria da Diversidade e que há orientações para o reconhecimento das escolas indígenas pelo MEC e a padronização desses concursos públicos em todo o país.
— Então, para além desse reconhecimento é preciso que haja formas de garantir professores. Porque muitos estados ainda são seletivos, não acontece no tempo certo, então é uma coisa muito incerta. Alguns estados avançaram, mas a gente precisa de uma discussão que padronize a seleção de professores indígenas—, explicou.
Regularização
A senadora Leila Barros (PDT-DF) fez críticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro por ter trabalhado, segundo ela, durante os seus quatro anos de governo, pela proliferação do garimpo ilegal em terras indígenas. Ela criticou ainda a apresentação do projeto de lei (PL 191/2020) para regularizar essa atividade.
— Na diligência do ano passado [ao território Ianomâmi] me pareceu bem clara a negligência do então governo federal na defesa dos povos indígenas e, sobretudo, na integridade de suas terras. A convivência com o garimpo ilegal era uma conivência evidente e a gente via isso por parte de órgãos executivos, especialmente do estado de Roraima. E o governo passado chegou até a apresentar um PL que autorizava o garimpo nas terras indígenas—, registrou.
Apesar de reconhecer que muitos dos trabalhadores que vivem do garimpo ilegal estão lá atraídos por promessas irreais, e que se submetem a esse tipo de atividade como resultado da desigualdade do sistema econômico e social na região, Guajajara criticou iniciativas no sentido de regularizar a atividade em terras indígenas.
De acordo com a ministra, o mundo vive um novo momento que exige o cuidado com o meio ambiente e a sustentabilidade na produção, sendo os indígenas responsáveis pela preservação de 80% da biodiversidade do mundo. Ela defendeu a valorização dos povos indígenas e o respeito aos seus direitos para que eles possam contribuir com o desenvolvimento sustentável do planeta.
— Nós indígenas não somos contra o desenvolvimento. Assim como a de vocês, nossas culturas não são estáticas, na verdade são muito dinâmicas. Ao longo desse tempo, estamos aprimorando as nossas formas de organização social e política, produzindo novas tecnologias e formas de desenvolvimento que respeitam a biodiversidade e as diversas formas de vida do planeta. Desse modo, queremos alertar a humanidade para os perigos de um modelo de desenvolvimento predatório e que não respeita a biodiversidade. Os povos originários, as comunidades tradicionais, as populações periféricas e em situação de vulnerabilidade precisam ser consideradas—, ressaltou Guajajara.
Ações efetivas
Para a ministra, este é o momento de transformar toda a indignação contra o extermínio dos povos originários. Ela defendeu a união de esforços para a construção de políticas públicas de estado que assegurem a manutenção dos direitos constitucionais dos povos indígenas.
— Quanto tempo mais teremos que esperar para ver nossos territórios demarcados? Quantas meninas indígenas precisão ser abusadas para banirmos de vez a violência sexual nas comunidades indígenas? Quantas crianças indígenas precisarão perder a vida para compreendermos que a omissão e a negligência também matam? Quantas teses jurídicas inconstitucionais o Supremo Tribunal Federal precisará rechaçar para que a sociedade brasileira entenda que o direito dos povos indígenas não começa em 1988, mas é um direito originário?”
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
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